Ensino a Distância

23 mar

Ensino a Distância

ARTIGO DO PROF. ERSON MARTINS
PARA O LIVRO/ANDES/FORUM DAS 6 – ENSINO A DISTÂNCIA
12/novembro/2008


Educação a distância; a velha e a nova escola
Erson Martins de Oliveira

Ofensiva da educação a distância

O ensino a distância vem se expandindo aceleradamente na última década. O marco de seu crescimento é o ano de 1995. Num curto espaço de tempo, o número de estudantes dessa modalidade de ensino saltou de duzentos mil para 1.137.908, correspondentes a seis grandes instituições, sendo a maior delas a Fundação Roberto Marinho, que contava com 393.442 estudantes. Houve também um aumento do número de cursos, que se triplicou só nos quatro últimos anos. Nas modalidades de graduação e pós-graduação, o crescimento foi de quarenta e quatro vezes até o ano de 2003. Em 2000, havia dez cursos de graduação a distância; em 2004, esse número saltou para cento e seis. Havia 1.682 alunos matriculados; em 2004, este número passou para 89.539. Não havia, em 2000, curso de p ós-graduação lato sensu e seqüencial a distância; dois anos depois, foram criados cento e cinqüenta e três lato sensu; no ano seguinte, já se contavam duzentos e vinte e dois e, em 2004, a contagem destes cursos chegou a duzentos e cinqüenta e nove. Em relação ao número de matrículas, em 2000, eram quarenta e oito; em 2004, esse número foi para 61.637.
Esses dados permitem aos defensores do ensino a distância um prognóstico de que essa modalidade será preponderante no futuro.
Eis o que diz Roberto Palhares, dirigente do Instituto Monitor: “(…) Pensando no futuro, podemos dizer, sem receio de errar, que a educação à distância, em sua evolução, será um formato que irá preponderar sobre qualquer outro” (Anuário Estatístico de Educação Aberta e a Distância, pág. 11 e 12).
José Manuel Moran, professor da UNIBAN e assessor do Ministro da Educação para avaliação de cursos a distância, fez a seguinte observação: “As instituições superiores de ensino estão finalmente começando a atuar de forma clara e decidida em Educação a Distância. O avanço da Internet está trazendo grandes mudanças para a educação presencial, ao introduzir momentos e técnicas de educação a distância. E a educação a distância começa a aproximar-se da presencial, a sair do nicho em que se encontrava. Na medida em que cada instituição desenvolve sozinha ou em rede cursos de graduação, de especialização, de extensão e agora de Pós stricto sensu, vai adquirindo competência, atraindo novos alunos e mercados, perdendo o medo de arriscar e legitimando essa modalidade de educação”.
Os dois analistas demonstram que há uma batalha por conquistar espaço na educação e ampliar mercado.

Estruturação da educação a distância

O Anuário Brasileiro Estatístico de Educação Aberta e a Distância (ABRAEAD), 2005, indica que instituições oficialmente credenciadas estão presentes em todas as regiões, atingindo dezoito estados. No norte, o ensino a distância perfaz 11.644 alunos; no nordeste, 57.982; no centro-oeste, 23.588; no sudeste, 163.887; no sul, 52.856. Totalizam 309.957. Verifica-se que menos de um terço dos 1.137.908 alunos utiliza instituições oficialmente credenciadas. No entanto, a legalização dessa modalidade cresceu a partir de 2000. Chama a atenção o grande número de alunos concentrados no Ceará (52.687); nos demais Estados nordestinos em que se computam instituições credenciadas, a baixa quantidade indica uma situação embrionária. Em primeiro lugar, vem São Paulo com 80.905 alunos e, em terceiro, Rio de Janeiro, com 49.865.
O ensino a distância vem sendo implantado tan to por escolas públicas quanto privadas. Observamos que, no caso das públicas, constitui um meio de o governo não aumentar gastos com a ampliação do número de universidades e de vagas. O foco fundamental foi, inicialmente, a necessidade de cumprir a exigência da chamada Década da Educação, prevista pela Lei de Diretrizes e Base (LDB). Estimou-se que setecentas mil novas vagas seriam necessárias. Estas deveriam ser atendidas pelo ensino a distância. Em vez de criar uma universidade de ensino presencial para formação de professores, o governo entregou essa tarefa às instituições de ensino a distância. Abriu-se, assim, caminho para o ensino privado a distância.
O avanço organizacional dessa modalidade alcançou níveis estruturais. Três modalidades se destacam:
1) instituições isoladas. Universidades e faculdades deixaram de se caracterizar apenas pelo ensino presencial e passaram a ministrar cursos a distância. Introduziu-se, assim, o ensino a distância nas entranhas do ensino presencial. São feitas experiências iniciais com cursos de extensão, seguindo para a especialização e chegando à graduação;
2) associações e consórcios. Trata-se de uma congregação de instituições que se unem para viabilizar um grande projeto de ensino a distância, o que lhes permite estabelecer uma divisão do trabalho-ensino e baratear os custos. Há casos em que o consórcio é montado para projetos temporários. Um exemplo é o Projeto Veredas, instituído pelo governo de Minas Gerais. Reuniu dezoito instituições, tanto particulares quanto estaduais, para ministrar o curso de Pedagogia para professores em serviço que não tà ªm nível superior. Outros são verdadeiros conglomerados de universidades, que funcionam permanentemente. A Rede de Universidades Públicas (UNIREDE) e o Centro de Educação Superior do Rio de Janeiro são exemplos da intervenção governamental para viabilizar uma portentosa estrutura de ensino a distância. A Rede de Universidades Católicas de Ensino Superior (RICESU) e o Instituto Universidade Brasileira (IUVB) constituem avanço empresarial;
3) instituições virtuais. Segundo José Manuel Moran, esse tipo de organização exclusivamente voltada para os cursos a distância ainda são embrionários, oferecendo cursos de extensão. No entanto, preparam o caminho para a universidade virtual, a exemplo da Open University inglesa ou a UNED espanhola. No Brasil, ainda há restrições legais para o ensino superior inteiramente on-line, que os defensores empresariais do ensino a distância batalham por r esolver. A via para se chegar ao modelo de uma Open University ou UNED é dada pela legislação que admite até 20% da carga horária das universidades ser cumprida a distância. As experiências nesse sentido vêm sendo realizadas por inúmeras instituições públicas e privadas. Moran avalia: “dentro de poucos anos esta discussão do presencial e a distância terá muito menos importância. Caminhamos para uma integração dos núcleos de educação a distância com os atuais núcleos ou coordenações pedagógicas dos cursos presenciais. A maioria dos cursos de graduação e pós-graduação será semi-presencial e os cursos a distância terão muitas formas de aproximação presencial-virtual (maior contato áudio-visual entre os participantes)”.
Esse prognóstico indica o caminho que está tomando o ensino a distância para se implantar. Inicialmente, instala-se como hospedeiro nos interstícios do ensino presencial; em seguida consome parte dos seus tecidos e, finalmente, se impõe como o parasita vitorioso – a educação presencial transforma-se em semi-presencial.

O lugar da educação a distância nas instituições públicas

O governo federal e os governos estaduais são os indutores da implantação do ensino a distância. Os empresários da educação dependem da edificação de uma base legal e material para criar um mercado desta modalidade de ensino, que teve sua origem nos cursos por correspondência. O Instituto Monitor, fundado em 1939, comparece como um dos pilares desse ensino. Devido à complexidade do ensino por correspondência eletrônica (correio on-line), cuja abrangência permitida pela informática modifica o ensino presencial, os promotores empresariais necessitam de um impulso inicial dado pelos poderes do Estado.
Eis o papel do Estado: 1) estabelecer os fundamentos legais; 2) obrigar, em curta duração, a formação superior para os professores em serviço; 3) acionar universidades públicas para implantar o ensino a distância; 4) estabelecer convênios público-privado pa ra a formação de professores; 5) incentivar financeiramente os educadores para adquirir computadores, o que favorece empresas de informática e bancos.
Nesse processo, o governo entrega a formação de milhares de professores do ensino fundamental e médio da rede pública para a experiência de ensino a distância, promovida pela parceria público-privado. A implantação da graduação a distância começou justamente pelo governo central. A Universidade Federal do Mato Grosso formou cerca de quinze mil professores de educação básica. É pioneira nessa modalidade, funcionando assim desde 1995. Passou a fazer parte da UNIREDE, composta por mais de sessenta instituições públicas de ensino superior, e da UniVirCO (Universidade Virtual do Centro-Oeste), constituída por universidades estaduais e federais dessa região. A UniVirCO tem a particularidade de “incentivar pesquisas em grupo e pr ojetos coletivos, pesquisar novas formas de aprendizagem em ambientes on-line: novas estratégias de planejamento; desenvolvimento e de avaliação, possibilitar a formação inicial e permanente dos professores e profissionais de diferentes segmentos da sociedade, visando à ampliação do conhecimento” (José Manoel Moran. A Educação Superior a Distância no Brasil).
Uma outra trincheira do ensino a distância público é a Universidade de Brasília (UnB). Estima-se que atendeu aproximadamente setecentos estudantes de pedagogia. Recentemente, em agosto de 2005, a UnB assumiu a tarefa de impulsionar outros cursos de graduação, juntamente com dezenas de instituições federais, estaduais e municipais. Estão previstas 17.585 vagas nas áreas de pedagogia, matemática, biologia, física e química. O consórcio expandirá o ensino a distância para vários Estados.
No mesmo sentido, o Ministério da Educação estabel eceu um convênio com 19 universidades, de várias regiões, por meio da Rede Nacional de Formação Continuada de Professores da Educação Básica. Para isso, essas universidades criaram cursos em várias áreas: alfabetização e linguagem, ensino de ciências humanas e sociais, artes e educação física, gestão e avaliação da educação e educação matemática e científica. A finalidade é a formação de professores e diretores para a rede pública.
Um exemplo de parceria público-privado é o Programa da Secretaria de Educação de São Paulo. Estabeleceu um convênio entre universidades públicas (USP e UNESP) com a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, para a formação de professores efetivos de 1ª a 4ª séries em licenciatura plena, combinando teleconferência, videoconferência, monitoramento e oficinas com ensino presencial. Passaram por essa modalidade seis mil duzentos e trinta e cinco professores.
O Estado burguês deu assim u m grande passo em favor da descaracterização do ensino presencial, da implantação do ensino virtual e da estruturação de uma base para a exploração mercantil dos empresários da educação.

O lugar da educação a distância nas instituições privadas

A regulamentação que possibilita às universidades e faculdades implantar o ensino a distância em até 20% da carga horária fez com que esta modalidade assumisse um status acadêmico. O velho ensino por correspondência passou a ser qualificado como uma forma mais avançada que a presencial, considerada como antiga. Os empresários viram-no como um meio de melhor explorar a educação. Tratava-se de constituir profissionais tecnólogos e professores dispostos a colocar seu trabalho assalariado a serviço da “cultura virtual”.
Os 20% foram uma importante concessão do Estado à iniciativa privada, que a está usando como ponto de partida. Os mais conservadores acham que se trata de encontrar equilíbrio entre o ensino presencial e o virtual. Os mais arrojados esperam que a tal da modernidade da cultura on-line deixe para trás o presencial, fazendo dele uma peça de museu.
A Universidade Anhembi-Morumbi lançou-se como pioneira entre as privadas. Começou a ministrar aulas a distância com um curso de Moda, em 1995. Em seguida, estendeu esta prática para cursos de extensão, para cursos de graduação – no sentido de “apoio” ao presencial – e pós-graduação lato sensu. Língua Portuguesa e Matemática foram duas disciplinas que ganharam uma carga horária de trinta e quatro horas, na forma on-line. A orientação pela Internet abrangeu áreas do conhecimento como Filosofia, Psicologia, Ciências Sociais, entre outras. Esta universidade constitui, juntamente com uma dezena de outras instituições de ensino superior, a Universidade Virtual Brasileira (UVB). Por meio desse instrumento, pressiona o MEC a autorizar uma série de cursos de graduação a distância.
A quantidade de instituições que praticam o ensino particular on-line é imensa. Destacam-se algumas pela extraordinária quantidade de a lunos. Segundo a ABRAED, a Fundação Demócrito Rocha (Ceará) tem 54.600 alunos; a Fundação Bradesco (SP), 22.009; a Universidade Castelo Branco (RJ), 17.500; a Escola Brasileira de Ensino a Distância (SP), 15.000; o Instituto Monitor (SP), 14.511; a Universidade do Norte do Paraná, 12.000; o Centro Educacional de Niterói, 11.000; a Universidade do Tocantins, 9.500; o Centro Educacional Alphaville (SP), 9.500. Somente estas nove instituições controlavam, em 2004, 165.620 alunos, ministrando cursos de complementação pedagógica, extensão, EJA, pós-lato sensu, graduação e técnico.
Ao lado desse conjunto, figura a poderosa Fundação Roberto Marinho, com seu Telecurso 2000 e os projetos Tempo de Avançar, Tempo de Acelerar, Viva Educação, Avançar é Preciso, Poronga e Telessalas, abarcando o fantástico universo de 393.442 alunos. Compõem esse quadro: Fundação Telemar, 77.494; SENAI, 1 0.305 e Senac, com 37.973 alunos.
Ergue-se o império dos negócios on-line em educação. Há muito, as universidades públicas se tornaram um gueto perante a portentosa estrutura empresarial montada para o ensino superior. Com o ensino a distância, criou-se um terreno de intervenção das corporações de comunicação, das empresas multinacionais de informática e de provedores de Internet. As universidades particulares acionaram seu poderio para usar o ensino virtual como meio de abarcar um maior número de estudantes e baratear seus custos.

A educação a distância nas confessionais

As universidades controladas por Igrejas, chamadas de confessionais, não resistiram à febre do ensino a distância. Já não tem tanta importância a particular visão religiosa sobre o humanismo da educação. Como todas as privadas, correm atrás dos meios que lhes barateiem o custo da educação. Incentivam grupos de professores a montarem programas, especializarem-se e formarem opinião ideológica de defesa dessa modalidade de ensino.
A formação da Rede de Instituições Católicas de Ensino Superior (RICESU) segue a linha de outros conglomerados. Em quase todos os Estados presentes, as Católicas se uniram para estruturar o ensino a distância. Até onde nos chega a informação, a PUC de São Paulo faz exper iências próprias, sem participar da RICESU. O Projeto NAVE, coordenado pelo professor Fernando José de Almeida, constituiu um pilar prático e teórico da penetração da EaD na PUC-SP, tida como a trincheira do humanismo. Foi de iniciativa do Programa de Pós-Graduação em Educação: currículo, iniciado em 2002, com pesquisas sobre “Formação de Professores e Novas Perspectivas Curriculares para Ambientes Virtuais e Colaborativos a Distância”. Os responsáveis pelo Projeto NAVE contaram com a aprovação do Ministério da Ciência e Tecnologia e IBM Brasil/solectron. Avalia-se que o esse projeto mostrou a validade dos “ambientes virtuais de aprendizagem” e da criação da cultura de EaD.
A maioria das universidades católicas utiliza o ensino a distância para o pós-lato sensu e cursos de extensão. Mas a PUC do Rio Grande do Sul já a incorporou na graduação , em áreas como engenharia química e pedagogia. A PUC-SP deu seu primeiro passo nesse sentido, introduzindo na reforma do curso de Letras o ensino a distância.
A Universidade Metodista de São Paulo implantou o Centro de Educação Continuada e a Distância. Em maio de 2005, realizou o seu quarto Encontro de Educação a Distância. Ministra pós-lato sensu, que inclui o curso de Educação Continuada a Distância.
Vemos que se cumpre a previsão dos agentes e defensores do ensino a distância de que se trata de um fenômeno inevitável do que se denominou pós-modernidade. Corresponde, na realidade, à força mercantil, que faz da educação um negócio.

Legislação para a educação a distância

A exigência de legalização do ensino a distância não é um fato novo. No início da década de 1960, os antigos supletivos ganharam o suporte legal por meio da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1961, que regulamentou o ensino a distância mediante a combinação de obrigatoriedade presencial de 75%. Mas foi nos anos de 1990, por meio da LDB de 1996, que o EAD ganhou espaço na legislação educacional. A LDB/96 era a expressão do avanço da linha privatizante, e respondia à exigência do Banco Mundial de reformulação da educação nos países com alto índice de analfabetismo. A Conferência Mundial para Todos, de 1990, ditou as chamadas metas, materializadas no Brasil pelo Plano Decenal da Educação, primeiro passo para a Reforma do ensino . A essência dessa reforma era a de “descentralizar” a educação, desobrigando o Estado de seu sustento. A LDB veio para dar expressão legal para essa reforma direcionada pela política do Banco Mundial. O jogo parlamentar criado em torno da LDB – de um lado os setores privatistas encabeçados por Darcy Ribeiro e, de outro, os democratas que tentavam minimizar os efeitos de uma legislação que favorecia a mercantilização do ensino, conduzidos pelo Fórum da Educação – se desfez com a aprovação do projeto de LDB de Darcy Ribeiro.
É no artigo 80 da LDB que o Estado disciplina a existência do ensino a distância. Diz assim: “O Poder Público incentivará o desenvolvimento e a veiculação de programas de ensino a distância, em todos os níveis e modalidades de ensino, e de educação continuada”. A expressão “incentivará” mostra que a educação a distância não seria de responsabilidade do Estado. Na realidade, demonstra que o Poder Público ofereceria as condições para a sua expansão privatizante. Os parágrafos 1, 2, 3 e 4 desse mesmo artigo estabelecem que o ensino a distância será oferecido “por instituições especificamente credenciadas pela União”, cabendo ao Estado, em todas suas esferas, dispor de normas de avaliação de programas dessa modalidade de ensino. Por fim, determina que a educação a distância “gozará de tratamento diferenciado que incluirá o custo de transmissão reduzidos em canais comerciais de radiodifusão sonora e de sons e imagens”.
Dois anos depois da aprovação da LDB, o governo de Fernando Henrique Cardoso regulamentou o artigo 80 por meio do decreto n° 2.494/98. Em seu primeiro artigo, define a educação a distância como “uma forma de ensino que possibilita a auto-aprendizagem com a mediação de recursos didáticos …, apresentados em diferentes suportes de informação…, e veiculados pelos di versos meios de comunicação”. No artigo 2º, regulamenta a certificação do ensino fundamental para jovens e adultos, do ensino médio, profissional e de graduação, que são ministrados pelo Estado ou pela iniciativa privada. Em seguida, no artigo 3º, estabelece que as matrículas para o ensino de jovens e adultos, nessa modalidade, independe de sua escolarização anterior, e institui a avaliação classificatória para a matrícula. No artigo 7º, determina que os exames serão presenciais, mas não exclusivamente de responsabilidade do Estado.
Em 2001, o Conselho Nacional da Educação criou as normas para o funcionamento dos cursos de pós-graduação a distância, exigindo que o pós-graduação stricto sensu contenha atividades presenciais e os exames de qualificação e de defesa de tese sejam também presenciais. No artigo 11º, disciplina o funcionamento do pós-graduação lato sensu, que deverá incluir provas e defesas de monografias também presenciais.
O Ministério da Educação do governo Lula dá seqüência à legislação de funcionamento do EaD. Por meio da Portaria 4.059/2004, determina que as universidades e os institutos de ensino superior poderão introduzir até 20% da carga horária de seus cursos a modalidade semi-presencial. Define o semi-presencial como atividades, módulos ou unidades de ensino-aprendizagem “centrados na auto-aprendizagem”, incorporando o uso de tecnologias de informação (Internet, teleconferência, videoconferência etc), combinando com as situações presenciais e “atividades de tutoria”.
Seguindo a legislação federal, os Estados se ajustaram para ampliar os credenciamentos de EaD. No caso particular de São Paulo, o Conselho Estadual de Educação deliberou e implementou, a pa rtir de 2001, o funcionamento dos cursos de educação a distância, de presença flexível, para os níveis fundamental e médio, bem como os mecanismos de credenciamento de cursos promovidos pela iniciativa privada nessa modalidade.
Nota-se que a legislação vai progressivamente ampliando as possibilidades de transformação do ensino presencial em ensino virtual. Externamente ao país, organismos internacionais exigem que o governo, de um lado, reduza seus gastos com a educação e, de outro, mostre rápidos resultados na área do ensino fundamental e médio. A tônica recai sobre a exigência de facilitar a intervenção do capital privado, transformando o ensino em um negócio compensador. Internamente, crescem as pressões dos defensores empresariais do EaD para que a legislação não se restrinja ao já implantado, mas que a partir da base existente se amplie o direito de sua exploração.
Seus mais aguerridos defensores alega m que há um desconhecimento por parte de quem legisla sobre esse assunto. Na realidade, não se trata de desconhecimento. Existe um conflito entre aqueles que admitem o ensino a distância restringido pelo ensino presencial e aqueles que querem total liberdade de ampliá-lo, não se importando com a destruição da forma presencial. É nesse sentido que um dos mais proeminentes representantes do Instituto Monitor, Roberto Palhares, reclama que “a Educação a Distância é geralmente encarada como um formato marginal de educação, gerando, em razão dessa linha de pensamento, uma hiper-regulamentação com conseqüências, às vezes, irreparáveis”. E conclui: “em geral, a burocracia implantada pelo Poder Público serve apenas para onerar procedimentos, retardar decisões necessárias para correção de rumos ao longo do processo e impedir planejamento de médio e longo prazo”.
Está evidente que os mercanti- lizadores/ span> do ensino travam uma batalha pública e interna ao Estado. Envolvem o ensino a distância com os mais variados argumentos tecnológicos, pedagógicos, filosóficos, sociais e históricos. Mas, no fundo, os arautos da modernidade estão à procura de valorizar seus capitais. A consideração a seguir, feita também pelo prof. Palhares, expõe sem atenuantes o verdadeiro sentido. Referindo-se aos obstáculos enfrentados pela educação a distância, diz: “A educação deve ser aceita como um negócio de prestação de serviços. Serviços esses que devem atender às expectativas de clientes e também da sociedade. (…) ”.
A crítica ao excesso de regulamentação ao ensino a distância e a campanha contra o preconceito sobre essa modalidade correspondem à necessidade de o capital mostrar-se capaz de usar a tecnologia para ganhar dinheiro e garantir “qualidade” de ensino. Aí está a razão primeira e última da seguinte c olocação do Instituto Monitor: “Não se devem estabelecer requisitos e condições que aprisionam a Educação a Distância à educação presencial”.
O Estado, ao tomar para si o papel de indutor da educação a distância e legislar em favor dessa modalidade, abriu caminho para os empresários da educação e seus colaboradores defenderem o fim dos obstáculos à economia de mercado.

Caminho da destruição do ensino presencial

Nos anos de 1970, portanto sob o regime militar, a Universidade de Brasília pôs em marcha a implantação do ensino a distância. O Reitor planejava introduzir no Brasil o modelo inglês da “Universidade Aberta”. Substituiria assim o ensino presencial por essa modalidade. Chegou ao ponto de comprar os materiais da Open University e obter os direitos de tradução e publicação. Tratava-se de um projeto que liquidava o ensino presencial. Houve uma reação interna na UnB, embora o clima fosse sufocante e o Reitor, um agente do regime militar, disposto a usar a educação a distância para objetivos político-ideológicos. Em face da resistência, procurou marginalizar os docentes da condução do novo proj eto. Essa experiência fracassada serviu de lição para os defensores e estrategistas da implantação da educação a distância.
Ivônio Barros Nunes, em seu texto “Noções de Educação a Distância”, relata essa primeira tentativa de substituir o ensino presencial pelo virtual, e conclui:
Ora, quando se pretende desenvolver um programa de educação a distância em uma instituição presencial, não se pode conduzi-lo em conflito com a cultura existente, ao contrário, deve-se procurar adequá-lo a ela (não subordiná-lo mecanicamente), estabelecendo mecanismos de cooperação e convívio entre as duas modalidades de ensino. Possibilitando, com isso, que a educação a distância possa, inclusive, contribuir para melhorar os processos de ensino presenciais, adotando, no mínimo, os materiais produzidos pela educação a distância, como acontece em várias outras universidades a exemplo da Universidade Autônoma de Honduras, que tem um centro de educação a distância dentro da universidade presencial.
O analista recomenda aos promotores do ensino a distância e seus colaboradores (intelectuais, professores, técnicos etc. cooptados) que conquistem o terreno hostil, tornando os adversários em aliados. Tem claro a contradição e a incompatibilidade entre a educação presencial e a virtual. Justamente por isso, o ensino on-line tem de ser imposto gradativamente. A melhor forma é a de criar no seio do ensino presencial centros de produção e operação de educação virtual. Uma vez instalados, terão dado o primeiro passo no sentido de cooptar defensores e organizadores das próprias universidades presenciais. Em determinados setores menos sensíveis à substituição do ensino presencial pelo virtual, concretiza-se o plano de instalação da EaD. Realizam-se encontros, seminários, conferências e experiências para comprovar a validade do mod elo on-line. Organismos financiadores impulsionam um movimento prático e ideológico de defesa da educação a distância.
Inúmeras são as experiências utilizadas para fundamentar o ensino a distância. Ao lado da UnB, que, depois do fracassado projeto da Open University, tornou-se um paradigma de experiência bem sucedida, tem-se o caso do Centro de Educação Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro (Cederj). O seu arquiteto foi o antropólogo e professor Darcy Ribeiro. Contou com o apoio do prefeito de Campos, Antony Garotinho. Participou do projeto inicial o Reitor da Universidade do Norte Fluminense. Assim que Antony Garotinho ganhou o governo do Estado, trouxe para a Secretaria de Ciência e Tecnologia o Reitor, com a tarefa de concretizar a EaD idealizada por Darcy Ribeiro. Não por acaso, o senador Darcy Ribeiro concebeu uma LDB ajustada ao ensino privado e incluiu a EaD, que passou a ser política educacional do Estado.
O Cederj é tido como um posto avançado de EAD por ter conseguido massificar e oferecer uma quantidade extraordinária de cursos de graduação em matemática, biologia, física e pedagogia. O ABREAD relata:
A meta para 2005 é dobrar o número de alunos e de carreiras de graduação com oferta de 6 mil novas vagas em 8 carreiras, o que significa quase um terço das vagas anuais oferecidas, na modalidade presencial, pela soma das Universidades Públicas do Estado.
Repetimos, estima-se “quase um terço das vagas anuais oferecidas”.
Como se vê, trata-se da substituição de parte do ensino presencial pelo virtual, dispensando o governo de ampliar as vagas de ensino presencial nas universidades públicas.

Os negócios da educação a distância

Não faltam argumentos tecnológicos e pedagógicos para justificar a educação a distância. Mas, no fundo, está a convergência de interesses entre os empresários da educação, a indústria de informática, os provedores e as corporações de comunicação. Essa convergência envolve o Estado e as várias esferas governamentais. Por cima, atuam os organismos internacionais, mais ou menos disfarçados. As forças econômicas que impõem o EaD expressam a mercantilização, o lucro, o barateamento e a isenção do governo quanto à responsabilidade de ampliar a educação pública presencial. Os planejadores do EaD contabilizam que os gastos elevados iniciais na sua implantação valem a pena, porque rapidamente serão amortizados e passarão a ser altamente compensadores. Nesse aspecto, Ivônio Barros Nunes transcreve uma consideração de Greville Ruble, extraída de um trabalho apresentado, em 1979, no Seminário Africano sobre Educação a Distância. Vale a pena reproduzi-la, para se ter a dimensão mercadológica desse ensino.
Finalmente, há incentivos para adotar o ensino a distância. O sistema de educação convencional exige grandes investimentos em recursos humanos. Pode-se argumentar que usando as facilidades de uma produção centralizada para elaborar e produzir materiais de alta qualidade para estudantes independentes, pode-se obter grandes economias.
Este argumento deve ser examinado com muito cuidado. A concepção de materiais de boa qualidade, adequados para esse estudo é mais caro em termos de tempo de professor, hora de estudante e tempo de aprendizagem, que nos casos do ensino convencional “cara a cara”. Ademais, os custos iniciais de produção física, distribuição e transmissão podem ser muito elevados e certamente muito mais custosos que o caso de sistemas tradicionais. Contudo, a variável custo de ensino é geralmente mais baixa no ensino a distância sempre e quando a população estudantil a ser atendida for suficientemente grande.
O ensino a distância é concebido justamente para ser massivo e contar com um reduzido número de tutores e de técnicos. Inicialmente, esse número pode ser elevado, mas em seguida, será enxugado. A redução de recursos humanos, portanto, da utilização da força de trabal ho, é uma das premissas do EaD. Não por acaso, substitui-se o trabalho do professor em sala de aula por um tutor que maneja os recursos informatizados.
Tomemos um dado concreto emitido por Rosangela Barz, uma das responsáveis pelo projeto de formação de professores da UnB por meio do EaD. Considerando uma média de quarenta alunos no ensino presencial, Rosangela Barz estima: “a educação a distância quadruplica, no mínimo, esse número. Atendemos em cada turma cerca de cento e cinqüenta pessoas” (Folha On-Line – 29/9/2004- “Maioria dos cursos a Distância no Brasil forma professores”).

Um outro dado, apresentado no ABREAD:

Na grande variedade de perfis por instituição neste recorte por funções docentes, apenas 9% das instituições concentram 48% dos alunos e empregam apenas 8% dos docentes. Todas elas são instituições com mais de 10.000 alunos. No outro extremo, 20% dos alunos participam de 67% das instituições que empregam 69% dos docentes. Estas últimas são, na sua maioria (+/- 90% do subgrupo) instituições com menos de 2000 alunos.
Está aí refletida a tendência do ensino a distância de criar monopólios e centralizar toda a sua estrutura em um pequeno contingente de tutores e tecnocratas.
A questão é tão grave que os próprios defensores do ensino a distância se assustam com o que pode vir a acontecer no plano de custos. É o que expõe o documento de “Integrantes da Comissão Assessora para Educação Superior a Distância”, sob a responsabilidade do MEC:
Em um ensino de massa, a tecnologia é usada para transmitir instruções e informações, reproduzindo propostas de instrução face a face, não raro ineficazes. Há propostas de tutorias realizadas pela própria máquina que barateiam significativamente os custos, mas retiram do processo de ensino-aprendizagem as interações pessoais”.

Notem, a tutoria pode vir a ser realizada por um software.

Denomina-se educação corporativa a utilizada por grandes empresas “para educar e treinar seus funcionários de modo muitas vezes mais eficiente e econômico do que na educação presencial”. (ABREAD, “O mercado estica a corda”) Fala-se em “mais de cem universidades corporativas”. “Há ainda pelo menos mais um motivo que leva as empresas a aderir ao E-Learning: a redução de custos. É possível obter economia da ordem de até 66% em cursos a distância, na comparação com cursos presenciais” (idem).
Evidentemente, trata-se de uma ampla rede de educação a distância que funde as mais variadas formas e instituições, que vão da corporação à universidade. Finalmente, para se ter a noção do v olume dos negócios que envolvem, condicionam e ditam o percurso da educação a distância, transcrevemos:
A evolução do volume de negócios em torno de e-learning fez surgir no país uma nova geração de empresas, especializadas na oferta de soluções para a Educação a Distância mediada por novas tecnologias. A Micropower, de São Paulo, empresa que promove o Prêmio E-learning Brasil, especializou-se na produção de softwares e demais soluções para esse tipo de ensino. Outras, como a Inteligência Educacional e Sistemas de Ensino (IESDE), ou a Educon, ambas do Paraná, firmaram-se no mercado oferecendo soluções de conteúdo para vários tipos de Educação a Distância que uma escola pretenda empregar.
A influência dessas empresas para a consolidação do behaviourismo instrucional é portentosa. Segundo o ABREAD, somente a IESDE “produz conteúdo para 42 mil alunos das instituições educacionais que sã o suas parceiras, com contatos estabelecidos em 14 estados do país”.

Inclusão digital

O ensino a distância é apresentado como solução para a impossibilidade de milhões de alunos de cursar o nível médio e ingressar na universidade. Fala-se em inclusão digital. Roberto Palhares acentua o “aspecto de ensino democrático”, como “a principal vantagem da Educação a distância”.
O ABREAD qualifica a estruturação do ensino a distância, incorporando mais de um milhão de estudantes, como resultado de uma necessidade social. Sob o título “A sociedade se mobiliza”, afirma que a “maioria dos projetos visam excluídos”. Assim formula:
destes grandes projetos listados, a maior parte tem como público-alvo estudantes excluídos da educação formal, com poucos recursos ou freqüentadores da educação pública, o que demonstra a grande capacidade de inclusão social deste conjunto de técnicas de ensino, já que pode ser levado a locais sem infra-estrutura para o ensino presencial. A inclusão, o reforço escolar e a popularização do uso das novas tecnologias parecem ser os objetivos principais da maioria destes projetos….
Refere-se a projetos como Telecurso 2000, da Fundação Roberto Marinho; As coisas boas da nossa terra, da Secretaria da Educação, com o apoio da Fundação Telefonica e do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (CENPEC). Destaca a Escola do Futuro (da USP), que estabeleceu uma parceria com o projeto Telemar Educação, que faz o papel de vínculo entre o público e o privado. Refere-se, também, à presença de instituições estrangeiras, como no projeto Enlaces-Brasil, ligado à Organização World Links, que está interessada na “capacitação de professores para o uso da Internet na sala de aula”.
Ivônio Barros Nunes, um pouco cauteloso, defende que a educação a distância possibilita a “democratização do saber”, mas que “não pode ser vista como substitutiva da educação convencional, presencial”. Trata-se apenas de um conselho inócuo, porque elimina idealmente a contradição objetiva entre as duas formas de ensino.
O estudo feito por João Vianney – diretor de educação a distância da Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul Virtual) e ex-membro da comissão de especialistas do MEC para Educação a Distância (1998-2000) – apóia-se nos dados do Censo do Ensino Superior Brasileiro (2002) para demonstrar que é ridículo o número de estudantes que pode ingressar na universidade. Mostra que 183 instituições públicas e 1.209 privadas abarcam apenas 3.030.754 alunos matriculados, “diante de um total de 175 milhões de habitantes”.
Os dados utilizados indicam uma correlação desproporcional entre a rede pública e privada, mostram o inchaço do ensino mercantil, e mesmo assim, camadas inteiras da classe média não têm como cursar a universidade. O raquitismo do ensino público é a outra faceta do problema. Mas há ainda um outro dado estarrecedor, utilizado pelos defensores do ensino a distância. O Sudeste detém mais da metade das vagas em vestibular (51,7%); o Nordeste, apenas 15,2%, e o Norte, 4,7%. Esses extremos servem de base de apoio para os promotores do ensino a distância usarem o argumento da “inclusão digital” e da “democratização do saber”.
Analisando Os paradoxos da Universidade Virtual no Brasil, o mesmo autor demonstra que, “a partir do final da década de 1990, de um número de vagas oferecidas excedente ao número de inscritos para o ensino superior pago, caracterizando limites na expansão deste modelo”. As faculdades particulares proliferaram nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, “com mais de 50 mil habitantes”, o que criou um excedente de vagas, as quais não foram preenchidas por razões econômicas. Depreendemos dessa exposição que o autor toca no paradoxo do ensino pr esencial, cuja solução é o ensino virtual. Mas aponta o paradoxo do ensino a distância. Assinala que ainda há “um acesso restrito às NTIC para as classes de renda inferior da sociedade”. Conclui: “Decorre desse fato que a Universidade Virtual estruturada a partir das NTIC consegue fazer chegar os seus produtos apenas às classes média e alta, já atendidas anteriormente pelas universidades presenciais”.
Notamos que o ABREAD considera que o ensino a distância tem atendido os pobres e o estudo de Vianney conclui que tem sido limitado à classe média com poder aquisitivo. Ocorre que, no primeiro caso, trata-se do emprego do ensino a distância na educação de jovens e adultos (EJA), promovida pelo Estado e convênios privados. No segundo, refere-se ao ensino superior. O verdadeiro paradoxo é obscurecido pelos argumentos favoráveis ao EaD. Ou seja, a universidade pública não teve o investimento para seu crescime nto, enquanto a mercantilização avançou até o ponto em que atingiu a pequeníssima fração da classe média que pode pagar pelo estudo. De fato, é um absurdo existir um excedente de 40% de vagas nas universidades privadas, quando milhões querem estudar e são impedidos pelo funil econômico. A posição de usar o EaD para resolver a contradição própria do capitalismo não passa de um argumento mercantilista. O que se pretende é explorar uma forma de ensino em função da lucratividade.

Questão pedagógica

Teóricos, planejadores e indutores da educação a distância esforçam-se por apresentar essa modalidade como alicerçada em fundamentos pedagógicos e princípios filosóficos. Dizem que há preconceitos contra o ensino a distância, do ponto de vista da qualidade educacional e de seu funcionamento informatizado, que devem ser superados.
Há quem considere que o ensino a distância é um passo para resolver problemas educacionais dos quais os “processos tradicionais” não deram conta. Tomam o cuidado, no entanto, de não parecer diminuir os “processos tradicionais” do ensino presencial ou que querem travar oposição entre os dois. Ao mesmo tempo, há os que prevêem que a educação a distância evoluirá como meio e forma educacional, a ponto de “prepo nderar sobre qualquer outro”.
Às críticas de que a educação a distância é uma forma de ensino individualizado, centrado no aluno confinado de uma relação social, respondem que o avanço está justamente na possibilidade de “um processo de auto-construção do conhecimento”. A auto-construção, por sua vez, exige um enlace multidisciplinar. Como “o centro do processo de ensino passa a ser o estudante”, os materiais devem ser preparados por equipes. Os elaboradores têm de ter em vista que cada um dos alunos possui particularidades sócio-culturais, conhecimentos e experiências que deverão ser integrados por meio de “metodologias, estratégias e materiais de ensino” no processo de “auto-aprendizagem”.
A retórica utilizada para defender o ensino atomizado atinge impressionantes conceituações, como a de “aprendizagem autônoma”, “aprendente”, a compreensão do professor como “recurso d o aprendente”, “gestor do processo de aprendizagem”, “auto-regulação do processo”, entre outros. Os ideólogos do ensino a distância – que nada têm a ver com o pedagogo – entendem que o ensino presencial é centrado no professor, e que a EaD desfaz essa tradição envelhecida colocando o aluno como o centro da aprendizagem. O que quer dizer também que muda o caráter do professor, que se transforma em tutor.
Certamente, há várias tendências entre os ideólogos e tecnocratas defensores da aberração dicotômica do velho ensino centrado no professor e do novo centrado no “aprendente”. Vai do humanista pós-moderno ao mercantilista da era da informática. O humanista não faz senão rechear com uma pedagogia do futuro o que na prática realiza o tecnocrata do mercado. O pragmatismo refletido na visão dos tecnocratas permite a observação crua da preponderância dos meios de comunicação na forma de capital sobre a educação e o processo educacional. Citemos algumas colocações a respeito de aspectos diversos do ensino a distância:

I. Enfoque no usuário, que está na origem da demanda e não mais ´pendurado nas saias´ da instituição acadêmica. Ele acredita cada vez menos que sua freqüência assídua e submissa (a essa instituição) lhe fornecerá um trabalho no futuro.

II. As novas tecnologias de comunicação, que já funcionam muito bem, são doravante incontornáveis, pois permitem uma gestão mais cômoda de relação a distância. Isso é tão verdadeiro que a geração jovem entrementes já domesticou esses aparelhos dos quais faz um uso corrente.

III. A indústria, por esse fato, entrou no domínio educacional, o que ela buscava há muito tempo. Ela aí entrou para não mais sair. Eis-nos pois, confrontados com a necessidade de considerar doravante a difusão dos conhecimentos como um campo de atividade de caráter industrial.

I V. A quarta tendência pesada, de longe a mais significativa, é a de contribuir para o ensino e a formação tradicionais, inserindo neles, segundo modalidades diversas, contribuições novas através da formação aberta e a distância. A hipótese feita pelos decisores é que essa mixagem revitalizará os sistema educacionais.

Os quatro pontos elencados acima são um resumo das principais conclusões de J. Perriault, “pesquisador do CNED e responsável por atividades do Futuroscope, laboratório de novas tecnologias aplicadas à formação que está entre os mais avançados do mundo” (Educação a Distância, Maria Luiza Belloni, pp. 35-6).

Está evidente que a indústria da informação, que se constituiu em monopólio no nascedouro, passa a incorporar em suas atividades o ensino e busca controlar a educação. Considera-se que a educação presencial está ligada ao “modelo fordista da produção industrial”, ultrapassado pela informática e pela nova realidade da economia de grande escala e do mercado de massa. O que exige uma reordenação do processo de ensino, adequando-o ao predomínio das novas tecnologias. Citemos mais duas passagens d o mesmo livro:
Este modelo fordista está todavia mal equipado para responder ao substancial crescimento que ocorrerá na área do desenvolvimento profissional e da educação continuada, área na qual vão predominar materiais de aprendizagem sofisticados, de curta vida útil e menor volume para mercados especializados (Raggat, 1993, p. 23).
A partir daí, Maria Luiza Belloni conclui:
Uma forma de superar este impasse seria considerar a EaD não como uma atividade no setor secundário (industrial), mas como uma atividade de prestação de serviços (setor terciário). Nessa perspectiva, a lógica de adaptação personalizada aos interesses do cliente é predominante e substitui a lógica de produção em massa de produtos estandardizados (Trindade, 1998, p. 14).
Como se vê, os “pedagogos” da EaD e os humanistas das novas tecnologias não fazem senão produzir uma ideologia para a “educação”, a qual comparece como uma nova mercadoria. O governo brasileiro abrigou no MEC tais “humanistas”. Preocupam-se em não confundir “uma crescente oferta de serviços e produtos educacionais a distância” “com um curso superior que confira diploma para o exercício profissional”. A fachada distintiva é dada por uma feição pedagógica.
O documento do MEC recomenda:
(…) Não basta, portanto, simplesmente contratar especialistas para desenvolver e preparar materiais, mas faz-se também necessário pensar no processo de aprendizagem, desenvolvendo recursos e metodologias de ensino que contemplem atividades individuais e coletivas e apoio constante de professores e orientadores, tanto em atividades presenciais quanto a distância”(Comissão Assessora para Educação Superior a Distância, p.110).
Assim doura a pílula com a exigência um “projeto pedagógico”. Indica que “há propostas de tutorias realizadas pela própria máquina que barateiam significativamente os custos, mas retiram do processo de ensino-aprendizagem as interações pessoais”. Extraordinário! A pedagogia do futuro estará sob tutorias da máquina. Os meios já o permitem, a técnica está pontuada e o capital, disponível.
O mal-estar dos tecnocratas do MEC e daqueles que querem conservar o humanismo acadêmico da escola de classe, escondendo sua adaptação aos interesses da indústria e dos serviços, transparece na forma idealizada de uma educação a distância apoiada “em um filosofia de aprendizagem que proporcione aos estudantes a oportunidade de interagir, de desenvolver projetos compartilhados, de reconhecer e respeita r diferentes culturas e de construir o conhecimento” (idem, p. 111). Fazem reparos ao conceito de tutoria, preferindo o conceito de “professores-orientadores”.
A hipocrisia do governo e do MEC mal esconde a orientação determinada pelo capital e pela globalização imperialista.

Considerações finais

Devemos deixar claro que:

1. Não se trata de defender em geral a escola decadente e o academicismo supérfluo, totalmente desvinculado da produção social em que se intensifica a divisão do trabalho entre a teoria e a prática, entre a atividade manual e intelectual. Trata-se, sim, de defender o caráter presencial do ensino;
2. Não se trata de negar a tecnologia e a sua aplicação na educação. Trata-se de se contrapor à substituição do ensino presencial pelo ensino virtual;
3. Não se trata de tomar a escola, o processo educacional e a tecnologia em si mesmos, mas considerá-los como produtos das relações econômicas e sociais na forma concreta em que se apresentam na fase do capitalismo monopolista;
4. Por fim, não se trata de separar os interesses do capital interno do externo, como se o ensino a distância fosse uma premência das condições nacionais do país. Trata-se de uma imposição da denominada globalização neoliberal, conduzida pelas potências e aplicadas nos países de economia atrasada (semicoloniais).

Ao contrário do argumento de que os avanços tecnológicos criaram condições para uma profunda transformação na educação, verificamos que têm servido para separar ainda mais o ensino da produção social, torná-lo mais mecânico, decorativo e controlado ideologicamente. Isso porque está a serviço do processo mercadológico. O ensino presencial é menos lucrativo, e tem o inconveniente de expressar os conflitos da sociedade de classe. O ensino a distância é um negócio rentável, corresponde à individualização concorrencial e pode estar submetido a um pequeno contingente de intelectuais, professores, tutores, técnicos e planejadores presos ao comando empresarial ou da burocracia estatal. Faz parte dos cálculos dos agentes do ensino a distância ampliar seus serviços, abarcando um número maior de clientes e despendendo menos tempo dedicado à f ormação. Tem ainda a vantagem de desviar a necessidade de aplicar a tecnologia ao ensino presencial, que é custoso e menos rentável.
O fetiche da tecnologia encantou inclusive setores considerados progressistas ou reformistas. O silêncio da inteligência universitária é um consentimento.
Nas esferas do governo, prevalece a idéia de que as novas tecnologias constituem a via de solução para o baixo nível do ensino. Querem fazer crer que o país semicolonial poderá sair do atraso elevando a cultura das massas, combinando o aparelhamento das escolas com a modalidade da educação a distância. Essa ilusão é semeada pelos ideólogos do imperialismo (reformas do Banco Mundial), que espalharam a propaganda da “globalização”, “modernidade”, “mercados emergentes” e outros artifícios. Os ideólogos brasileiros da EaD repetem em grande medida esses conceitos. O capital interno serve de base material para acobertarem o controle do imperialismo sobre a ciência e os avanços tecnológicos. O melhor a ser feito é não evidenciar os interesses externos que são impostos de fora para dentro, como se fossem um imperativo da realidade nacional.
A tecnologia, sem dúvida, é um instrumento fundamental para desenvolver a economia. Juntamente com o trabalho, a tecnologia constitui as forças produtivas. É a ciência aplicada na produção. A ciência, por sua vez, é um meio de descoberta e apreensão das leis que regem a natureza e a sociedade. As leis do desenvolvimento e transformação da realidade objetiva são revelados pelo trabalho e pela teoria científica. Por isso, permitem ao homem agir revolucionariamente sobre a realidade. A ciência e a tecnologia avançam em meio à produção social. Ocorre que a escola no capitalismo expressa a divisão social entre o trabalho manual e o intelectual. A maioria que movimenta a economia como força de trabalho nã o controla as forças intelectuais da produção, que se encontram na forma de capital, altamente monopolizadas.
Colocar a tecnologia como magia para o atraso e desagregação do ensino, cujas raízes se encontram na exploração do trabalho e na alienação da maioria no processo produtivo, é afundá-lo ainda mais, como se apresenta na forma da educação a distância. Desconhecer a essencialidade da ciência e aplicar a tecnologia isoladamente resulta em contribuir para aumentar a alienação do homem.
Verificamos que o capitalismo desenvolveu em grande escala as forças produtivas, portanto, a tecnologia e o trabalho, mas estas se encontram encarceradas na forma monopolista da propriedade. O seu alto desenvolvimento não se coloca a serviço do conjunto da sociedade, mas de uma minoria. A pobreza e a miséria mundiais demonstram a contradição entre a acumulação de riqueza num pólo e a vasta carência da maioria em outro.
Em nosso país, a aberra ção da concentração é gritante. Somados o analfabetismo funcional e o analfabetismo, temos 75% da população. No entanto, o governo afirma que a universalização do ensino fundamental é quase plena.
Ocorre que o problema não começa na escola e nem termina nela. A maioria está submetida a uma violenta exploração do trabalho, a um salário mínimo escabroso e ao desemprego massivo, que inviabilizam a alfabetização plena e a elevação cultural. Não há tecnologia que resolva essa barbárie. Pelo contrário, expõem o precipício material e cultural entre a população trabalhadora e a pequena camada que controla e usufrui os bens sofisticados do capitalismo. Não há como tornar as novas tecnologias de informação um instrumento de toda sociedade.
É preciso contrapor-se ao ilusionismo pedagógico da educação a distância, e ao mesmo tempo combater a velha escola desvinculada da produção social, decorativa, concorrencial e anticientífica.
Os reais problemas do ensino não chegaram à compreensão da maioria que trabalha. Mas chegarão no momento em que o movimento social contra a exploração e a fome avançar, transformando-se em movimento histórico de abolição da propriedade privada dos meios de produção pela propriedade social e, portanto, da sociedade de classe.
O horizonte de uma nova escola, que deixará de ser de classe e passará a ser social, está na razão direta dessa transformação. As extraordinárias conquistas científicas, técnicas e tecnológicas do capitalismo se devem à classe operária, aos camponeses e à classe média, sacrificados pela divisão entre a atividade manual e intelectual.
A contradição que se apresenta entre a velha escola e a sua substituição pela educação a distância, ainda embrionária, impulsionará a defesa de uma nova escola, que virá de uma nova sociedade.

ERSON MARTINS DE OLIVEIRA ex-Professor do Departamento de Artes da PUC-SP e ex-diretor da APROPUC-SP

Fontes consultadas

2005 – Anuário Brasileiro Estatístico de Educação Aberta e a Distância
2006 – Anuário Brasileiro Estatístico de Educação Aberta e a Distância
2008 – Anuário Brasileiro Estatístico de Educação Aberta e a Distância
Instituto Monitor – São Paulo – SP
Revista Universidade e Sociedade nº 39 – fevereiro de 2007
Publicação Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior – ANDES-SN
Revista Ensino Superior nº 81 – junho de 2005 – Editora Segmento – São Paulo – SP
Vários, coordenador Fernando José Almeida – Projeto Nave – Educação a Distância, Câmara Brasileira do Livro, São Paulo, 2001
Vários – coordenação de Edith Litwin – Educação a Distância, Editora Arimed, Porto Alegre, 2001
Michael Moore e Greg Kearsley, Educação a Distância – Uma Visão Integrada,. Thomson, 2oo7
Maria Luiza Belloni – Educação a Distância, Maria Luiza Belloni, Editora Autores Associados, 1999, SP
Folheto Avaliação crítica da Educação a distância – SINPRO-SP/abril 2006

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